Repasse do dólar aos preços está maior que o normal e eleva preocupação com inflação

22 de dezembro de 2024
cropped-GettyImages-1273205810.jpg

Se um dólar ao redor de R$ 6 por si só já é motivo de preocupação com a inflação, o momento atual exige ainda mais cuidado, porque o repasse da desvalorização da moeda brasileira para os preços ao consumidor está ainda mais forte. O chamado pass through maior decorre da atual dinâmica da economia brasileira, que opera acima da capacidade. Incertezas com os rumos da política fiscal e a própria trajetória prospectiva da inflação adicionam mais cautela ao cenário, turbinando o efeito da moeda nos itens vendidos ao consumidor.

O repasse do câmbio, aliás, foi mencionado pelo Banco Central na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de dezembro, que elevou a Selic para 12,25% ao ano e indicou mais dois aumentos de 1 ponto porcentual. No texto, o colegiado citou que o repasse “aumenta quando a demanda está mais forte, as expectativas estão desancoradas ou o movimento cambial é considerado mais persistente”.

“A economia parece ter vários desequilíbrios atualmente, com destaque para uma demanda que está esticada em relação à oferta”, reforça o economista da consultoria Quantitas João Fernandes. “Começa-se a antecipar que haverá efeitos inflacionários, mas ninguém sabe ao certo o tamanho deles. Com um ambiente de dólar alto, as pessoas [formadores de preço] pensam: ‘eu não sei quanto mais esse dólar vai subir, mas isso vai virar custo para mim, então é melhor eu repassar essa desvalorização cambial logo’”, detalha.

LEIA MAIS: Leilões do Banco Central: de onde vem os dólares vendidos para conter alta da moeda?

Ele trabalha hoje, em seus modelos de projeção de inflação, com um pass through do câmbio entre 8% e 10%, isto é, uma desvalorização do câmbio de 10% pode levar, no limite, a um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de quatro trimestres à frente 1,0 ponto porcentual mais alto. “Até mais ou menos 2021, esse repasse era mais baixo, entre 6% e 7%”, aponta.

Fernandes ressalta, contudo, que há gradações diferentes desse repasse, a depender do tipo de item, já que nos alimentos (14%) e bens industriais (8%) a tendência do repasse é muito mais forte do que nos serviços (2%).

O economista da Terra Investimentos Homero Guizzo tem uma análise semelhante, já que, segundo ele, em momentos em que a economia opera muito próxima ou acima de sua capacidade, como o atual, é natural que a desvalorização do câmbio seja repassada com mais rapidez e força aos preços ao consumidor. “Se o hiato do produto efetivo estivesse um pouco acima, e não expressivamente acima, a depreciação seria absorvida nas cadeias de distribuição mais facilmente”, afirma Guizzo.

Ele calcula que o pass through da desvalorização cambial costumava ficar em torno de 4%, mas, no ambiente atual está em 8%. Ou seja, a cada 10% de desvalorização da moeda, o headline do IPCA aumenta 0,8 ponto porcentual, estimativa próxima a da Quantitas.

Já a estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andréa Ângelo, atenta não só para a intensidade desse repasse, mas para sua velocidade, que também está maior.

Ela conta que um estudo feito pela Warren apontou que a defasagem de movimentos de desvalorização cambial para os preços ao consumidor, que no período pré-pandemia durava até quatro trimestres, hoje tem ocorrido praticamente dentro de apenas um trimestre, ao menos numa cesta específica de itens, que tem correlação mais forte com a cotação do dólar. A cesta inclui principalmente bens como móveis, eletroeletrônicos e itens de higiene pessoal e limpeza.

“Entendemos que esse momento de repasse maior e mais rápido pode ter a ver com essas variáveis, como economia sobreaquecida e as expectativas de inflação mais elevadas”, comenta Ângelo.

Ela destaca ainda que os preços atualmente têm refletido o movimento do dólar entre julho e outubro, de cerca de R$ 5,55 para a casa de R$ 5,80. A desvalorização mais recente do câmbio, de R$ 5,80 para R$ 6, portanto, só deve ser sentida a partir dos meses iniciais de 2025, afirma. A Warren projeta IPCA de 4,9% em 2024 e 5,15% ao final do ano que vem.

A análise é corroborada por Fernandes, da Quantitas: “o grosso do efeito da última desvalorização vai pegar na inflação ao longo de 2025, com bens e alimentos sendo os vilões. Os serviços já estavam altos e vão continuar altos”, diz o economista. Ele trabalha com um cenário em que o IPCA sai de 4,8% no fim de 2024 e vai a 5,5% no encerramento de 2025. “Esse 0,7 pp a mais majoritariamente reflete alimentos e bens, que é aquilo que está sendo muito influenciado pelo câmbio”, emenda.

The post Repasse do dólar aos preços está maior que o normal e eleva preocupação com inflação appeared first on InfoMoney.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Don't Miss

Enel informa que ainda há 35,7 mil casas sem energia na Grande São Paulo

Balanço da concessionária Enel Distribuição SP, divulgado às 16 horas